segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Renda fixa com emoção

Valor Econômico
Por Adriana Cotias, de São Paulo
24/11/2008



O mais recente capítulo da crise financeira global originada no "subprime" americano expôs aos investidores um risco bem específico nas aplicações de renda fixa: o de oscilação de preços. Nos fundos, alguns dias com cota negativa. No Tesouro Direto, perdas relevantes, comparáveis aos prejuízos na bolsa. Papéis longos como as Notas do Tesouro Nacional - série F (NTN-F, prefixadas) e as Notas do Tesouro Nacional - série B (NTN-B, indexadas ao IPCA) chegaram a exibir, respectivamente, desvalorizações de 10,62% e 15,60% só em outubro. No ano, as perdas chegam a 7,5% nos títulos vinculados a preços e esbarram nos 6% nos prefixados. Mas o que o aplicador deve fazer ao se deparar com variações de tal proporção? Nada.

Assim como na bolsa, se vender os ativos agora, abaixo do valor adquirido, o investidor transformará o seu prejuízo, que por enquanto é contábil, em perda real. O melhor a fazer é levar os papéis até o vencimento, diz Fernando Marques, da Ativa Corretora. Conforme exemplifica, um aplicador que tenha comprado um lote de Letras do Tesouro Nacional (LTN, prefixadas) com resgate em janeiro de 2010 há seis meses, contratando um retorno na casa dos 13% ao ano, se quiser sair com a taxa atual, de 15%, pode levar para casa menos do que investiu. "Se ficar com os títulos até o final, o pior que pode acontecer é ter realizado um mau negócio", afirma, referindo-se ao chamado custo de oportunidade, de perder a chance de ver o seu dinheiro investido numa alternativa mais promissora.


A troca entre ativos da mesma natureza, continua Marques, só seria justificável se houvesse no horizonte um cenário extremo, como uma maxidesvalorização do real que induzisse o Banco Central (BC) a um choque de juros, tal como em 1999, quando a Selic foi elevada para os 45% ao ano. "Fora isso, o aplicador tem de ter como meta a taxa que aplicou e não as variações no meio do caminho." Substituir um título que está desvalorizado no mercado por outro que passou a pagar mais, apesar de parecer vantajoso, só efetivaria o prejuízo no papel mais antigo, acrescenta o superintendente de Tesouraria do Banco Banif, Rodrigo Trotta. Já trocar um curto que não oscilou tanto por um longo que ficou mais atraente é uma questão de oportunidade que talvez mereça ser avaliada de acordo com o apetite por risco do aplicador.


Nesses tempos de esticada da rentabilidade e recuo de preços, vale até comprar um pouco mais, acredita Marques, da Ativa, para aproveitar a valorização dos papéis ao longo do tempo. Isso porque, se as projeções do mercado se confirmarem, a taxa básica da economia estará em 13,75% ao ano na virada de 2009 para 2010 (boletim Focus, de segunda-feira), abaixo do retorno atual garantido pelos prefixados (15%). Só que o grande risco de "casar" com um título longo e de rentabilidade predefinida é o de liquidez, adverte o superintendente de Investimentos do Banco Real, Eduardo Jurcevic. "Quando um investidor compra um prefixado, é de se esperar que tenha disponibilidade para carregar o papel até o final, caso contrário, se houver um imprevisto, ele fica sujeito aos ajustes do mercado como aqueles que temos observado."


Por essa razão, Jurcevic recomenda os prefixados apenas como alternativa de diversificação. Aquele dinheiro que eventualmente pode ser usado para uma emergência deve estar em Letras Financeiras do Tesouro (LFT, pós-fixadas) ou em Certificados de Depósitos Bancários (CDB) atrelados ao Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), o juro interbancário. Ele sugere ainda que o investidor pessoa física evite os títulos vinculados ao IPCA, que, por mais interessantes que pareçam em momentos de inflação pressionada, variam em função do indicador e também dos juros implícitos. É uma conta difícil para o aplicador compreender quando recebe o seu extrato mensal.


Deflações por períodos curtos podem gerar desvalorizações em papéis atrelados a preços, mas se o investidor mantiver a aplicação até o resgate não há por que se preocupar com as oscilações diárias em títulos que vencem em 2011, 2015 ou 2024, diz Clodoir Vieira, analista da Souza Barros.. Para ele, garantir agora um juro real (descontada a inflação) em torno de 10% não pode ser encarado como um mau negócio, especialmente porque o investidor do Tesouro Direto terá o governo como credor - em tese com risco zero de não honrar as suas obrigações. Para quem não tem muito coração para ver o seu dinheiro surfar no vaivém do mercado todo mês, as LTN acabam sendo uma opção mais palatável. Isso ocorre porque por mais que as cotações oscilem durante a maturidade do papel, no vencimento, o preço unitário sempre será R$ 1 mil e o retorno do investidor vai depender do preço que ele pagou, explica Vieira.


Um aplicador que tivesse, por exemplo, comprado R$ 10 mil em LTN com resgate em janeiro de 2010 no início de outubro, teria R$ 9,8 mil no dia 27 daquele mesmo mês, um prejuízo teórico que já foi, entretanto, recuperado em novembro. No dia 21, ele somaria ao seu portfólio global R$ 10,02 mil, sem considerar impostos e taxas. Já as NTN-B e NTN-F, que têm um componente de indexação ou pagam juros semestralmente (o chamado cupom), podem ter distorções mais relevantes. Mesmo com a inflação em alta no ano, quem começou 2008 com R$ 10 mil numa NTN-B Principal de 2024 (sem cupom) tem hoje R$ 9,2 mil.


O tombo nos papéis longos foi reflexo da maciça saída de capital externo do Brasil no mês passado. No calor da sucessão de prejuízos financeiros globais desde a quebra do Lehman Brothers e uma iminente recessão global, os estrangeiros venderam ações e renda fixa com igual intensidade. Pelos últimos dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em outubro US$ 7,943 bilhões deixaram o país, um fluxo recorde.


Num momento de crise é melhor privilegiar liquidez e curto prazo, recomenda Trotta, do Banif. Como é difícil para qualquer expert acertar o binômio juros-inflação, em intervalos mais longos de tempo, os pós-fixados são a alternativa segura e que não vão tirar o sono do aplicador qualquer que seja o cenário que desponte para 2009.


Da mesma forma que um fundo de renda fixa tem cota negativa quando os juros futuros sobem e o gestor é obrigado a atualizar os papéis a preços de mercado, os títulos públicos exibem prejuízos momentâneos, explica o executivo responsável por fundos de renda fixa da BB DTVM, Aroldo Medeiros. Tanto num como no outro, a partir dessa marcação, os papéis passam então a render mais. No final, todas as emoções no meio do caminho perdem importância e o aplicador vai embolsar exatamente a taxa que contratou.

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