segunda-feira, 5 de maio de 2008

Um novo tempo

Valor Econômico
Por Angelo Pavini, Alessandra Bellotto e Luciana Monteiro, de São Paulo
05/05/2008



O grau de investimento, ou "investment grade", mexeu na semana passada com as aplicações financeiras. E vai continuar mexendo. O Índice Bovespa atingiu quase 71 mil pontos na sexta-feira, fechando a 69.366 pontos, recorde dos recordes. Já o dólar voltou para o menor nível desde 1999, a R$ 1,65. Também os juros longos caíram. A questão é se esses números representam uma tendência, que deve levar o investidor a mudar sua estratégia, ou se são apenas entusiasmo momentâneo. Antes, é melhor analisar o impacto da nova nota no curto, médio e longo prazo.


A leitura de consultores e analistas é que boa parte desse movimento da semana passada foi uma antecipação dos benefícios que o selo de baixo risco vai trazer. Ele refletiu a expectativa de novos investimentos no Brasil para breve, quando outra agência seguir a Standard & Poor's e elevar o país a um nível seguro de risco. Isso porque muitos fundos estrangeiros só aplicam em países com grau de investimento de duas agências. "Esperamos que a Fitch faça isso no segundo semestre, pois ela usa critérios parecidos e acompanha de perto a S&P", diz Antônio Madeira, da MCM Consultores.


Antes disso, porém, os fundos que já investem no Brasil podem aplicar mais pois, com risco menor, a parcela disponível para o país na carteira cresce, explica o ex-Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos. Os reflexos na economia, porém, são mais de médio e longo prazos, diz. "Há uma melhora no PIB potencial do país, reduzindo o custo de captação das empresas e, claro, alguns antecipam isso."


Na bolsa, a alta foi maior porque a crise americana impediu o mercado de antecipar o selo, como ocorreu em países como México e Coréia, diz Madeira, da MCM. Por isso, há espaço para ganhos no médio prazo, "se o cenário nos EUA ficar sob controle". O mercado pode até cair depois da forte alta recente, mas a barreira dos 66 mil pontos foi rompida e o fôlego é razoável pela expectativa de entrada de mais dinheiro. E a redução do risco-Brasil leva a uma revisão para cima das estimativas do Ibovespa, diante do custo menor para as empresas (ver página D5).


A surpresa com o selo ajudou na alta da bolsa na semana passada. Ela provocou uma corrida para ações de investidores estavam com posições pequenas, diz o economista-chefe da GAP Asset Management, Alexandre Maia. "E há muito espaço ainda para o aumento das aplicações." No médio e longo prazos, a bolsa continua atrativa, mas Maia acredita que o desempenho das ações dependerá também de outras condicionantes, como a evolução da economia americana.


É possível que a bolsa seja mais positiva no curto prazo, diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências, que crê em uma melhora marginal com a promoção do país. Se cair, ela acredita que o Ibovespa poderá voltar a 67 mil pontos e não mais 62 mil como antes. "Mas não bate 90 mil já."


Diante dessa euforia, qualquer atitude agressiva do investidor seria prematura, diz Marcelo Cabral, sócio da NEO Investimentos. "O 'investment grade' é evento específico de Brasil, que está inserido no contexto global", diz. "Não é hora para grandes apostas de longo prazo."


Já nos juros, o impacto do grau de investimento vai variar de acordo com o prazo. Nos mais curtos, o efeito será pequeno, pois as taxas dependem mais do BC e da inflação, que continua preocupando, diz Madeira, da MCM. Já nos longos, há uma relação com o risco-Brasil, que deve cair e favorecer a redução das taxas já neste momento. Nas taxas curtas, porém, a expectativa é que elas acompanhem de perto as próximas reuniões do Copom, diz Cabral, da NEO. "E boa parte do aperto monetário já está no preço", lembra.


Neste momento, diz Paulo Clini, gestor de renda variável da Legg Mason Asset Management, a alta da inflação é global e o selo não muda muito a situação do Brasil. Já nos juros de longo prazo, a reação, de redução, começa agora, com a expectativa de queda da inflação nos próximos anos com investimentos diretos e a produção crescendo. Também a entrada dos investidores externos em papéis do Tesouro ajudaria na queda.


No câmbio, a tendência de médio prazo ainda é de queda do dólar, acentuada no curto pela entrada dos investidores externos especulativos por conta do grau de investimento. "Mas há o aumento do déficit externo brasileiro, que vai limitar a queda do dólar, e ainda a tendência de recuperação da moeda americana no exterior, que vimos começar na semana passada", diz Madeira, da MCM. O real se apreciará, afirma Maia, da Gap, entre outros motivos, porque "não há um país 'investment grade' com um juro alto como o do Brasil". Mas Alessandra, da Tendências, também vê um piso. "Não dá para falar em dólar abaixo de R$ 1,60 com as contas externas piorando e o dólar subindo lá fora." A consultoria Tendências mantém as projeções de R$ 1,80 para o dólar no fim do ano, 13,25% ao ano para a Selic e inflação de 4,8% pelo IPCA.


O movimento de entrada de estrangeiros pode também não ser tão grande, já que alguns já tinham dinheiro no mercado brasileiro indiretamente, por meio de fundos com aplicações aqui, diz Cabral, da NEO. Para ele, os preços dos ativos já eram compatíveis com os de um país com grau de investimento. Já Clini, da Legg Mason, diz que, no curto prazo, o dólar pode cair dada a maior atração de capital. Mas, no longo prazo, o que vai importar para o câmbio são as contas externas.


Para qualquer um dos mercados, portanto, não é possível afirmar que os piores impactos da crise americana já tenham passado, nem que o "investment grade" seja a panacéia para todos os males do Brasil. "Ainda não dá para falar que o pior já passou", diz Cabral, da NEO. Segundo ele, há a preocupação com a inflação, um fenômeno mundial provocado em parte pela pressão nos preços dos alimentos e commodities. Outra preocupação dos especialistas ouvidos pelos Valor é o sistema financeiro americano. Uma recuperação da economia global só deve ocorrer no último trimestre do ano, prevê o gestor da NEO. Até lá, muita coisa pode mudar. "Nâo acredito em descolamento total." O risco maior está lá na frente, completa.

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