sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Desaparecem, daqui para a frente, as opções mais óbvias

Folha de São Paulo

31/12/2010

ANÁLISE





 

O BRASIL FICOU MAIS FORTE, RICO E CONFIÁVEL; POR ISSO MESMO, AS AÇÕES JÁ ESTÃO CARAS, OS IMÓVEIS TAMBÉM, E O TESOURO NACIONAL JÁ NÃO PRECISA PAGAR JUROS ALTOS

 



MAURO HALFELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 1980, os investidores brasileiros viajaram num trem-fantasma.
Foram surpreendidos com planos de estabilização que quebravam regras da noite para o dia e que prometiam o impossível num estalar de dedos. Só que a promessa nunca era entregue porque a indisciplina fiscal do Estado sempre ressuscitava o monstro da inflação.
Naquele período, os juros nominais eram altos, mas não venciam a inflação.
O bloqueio dos ativos financeiros e a troca dos indexadores nas aplicações de renda fixa no Plano Collor de 1990 deram uma paulada na dívida pública, mas deixaram um grande trauma na nação de poupadores.
A partir do Plano Real, os aplicadores em renda fixa voltaram a ser cortejados no Brasil.
Por outro lado, os investimentos em infraestrutura foram adiados por muitos anos para que o governo pudesse fazer sobrar recursos para pagar juros exorbitantes aos corajosos investidores em papéis do Tesouro Nacional.
A economia real e os gastos públicos foram sacrificados. Em compensação, a transparência e a disciplina fiscal começaram a ser implantadas pelo Estado brasileiro, e o monstro da inflação finalmente foi sufocado.
Investidores em renda fixa ganharam muito nos anos FHC. Foi uma recompensa pela coragem de emprestar para um Tesouro Nacional ainda pouco confiável naqueles tempos. Acumularam 218,6% acima da inflação.
Já os acionistas enfrentaram as crises no México, na Ásia, na Rússia, na Nasdaq e na Argentina.
No entanto, contaram com bons momentos na privatização e com a oportunidade para que trabalhadores usassem parte do pouco rentável FGTS na compra de ações da Vale e da Petrobras. Na era FHC, o Ibovespa acumulou 26,8% acima da inflação.
Em 2002, abriu-se a porta do inferno. O dólar disparou, o Ibovespa despencou, e os juros só não subiram mais porque era ano eleitoral.
Parece que Lula não gostou do que viu e decidiu fazer um pacto com o mercado para fugir do inferno que tinha acabado de acolher, calorosamente, a Argentina.
Lula nomeou um habilidoso banqueiro para o Banco Central e, como retribuição, uma profecia, escrita por um grande banco americano que sonhava com um futuro glorioso para os Brics, autorrealizou-se no mercado internacional.
Com Lula, o futuro chegou mais perto do presente no Brasil. A China se tornou uma locomotiva do mundo e levou o Brasil a reboque. Não só comprou matéria-prima daqui como também fez subir o preço de quase tudo o que o Brasil exportava.
Foi uma festa: deu para resolver nossa dívida externa, deu para montar uma invejável reserva de dólares, deu para ajudar os pobres e deu para voltar a acreditar no Brasil gigante.
Nos anos Lula, os aplicadores de renda fixa ganharam 90,6% acima da inflação. Já os acionistas ficaram eufóricos com 295% acumulados no período.
Mais alegres ainda ficaram os investidores em imóveis, que, depois de anos abandonados, viram o eficiente plano Minha Casa, Minha Vida turbinar o setor da construção civil por inteiro.
Infelizmente, minha bola de cristal, que andou muito otimista nos últimos dez anos, não está mostrando vida tão lucrativa para os investidores nos anos Dilma. Tudo porque o Brasil ficou mais forte, rico e confiável.
Por isso mesmo, as ações já estão caras, os imóveis também, e o Tesouro Nacional já não precisa pagar juros altos. Desaparecerão as oportunidades mais óbvias do mercado.
Só vai ganhar dinheiro quem for muito rigoroso nas escolhas e trabalhar duro.
Minhas apostas daqui para a frente estarão no setor de serviços e no de infraestrutura.
Educação, energia e saneamento vão merecer a atenção de empreendedores e de seus fiéis investidores.
No mais, é contentar-se com rendimentos modestos daqui para a frente. Exatamente como os investidores fazem nos países ricos.

MAURO HALFELD, professor e analista de investimentos, é doutor em administração pela USP, com pós-doutorado em finanças no MIT.

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