terça-feira, 6 de julho de 2010

Renda extra com ações

Investidor pessoa física pode obter ganho adicional na bolsa com o aluguel de seus papéis.


Valor Econômico

Por Alessandra Bellotto, de São Paulo
06/07/2010

Que tal garantir uma renda extra com ações? Para quem tem uma carteira de renda variável e não pretende se desfazer dela tão cedo - até porque o momento não é favorável, dada a queda da bolsa -, uma das alternativas para obter um ganho adicional é o aluguel das ações. Contratos registrados ao longo de junho indicam taxas que variam de 0,4% ao ano, para "blue chips" como Vale e Petrobras, a 4% para CPFL, 7,4% para Lojas Renner, 12% para Rossi Residencial e até 35% para Telebrás.

Na operação de aluguel de ações, o detentor do ativo "empresta" seus papéis temporariamente para investidores que precisam ou cobrir posições vendidas a descoberto (sem o papel em mãos) ou compor estratégias de arbitragem, em que se montam operações de compra e venda para ganhar com a diferença de preço das ações, e não com a direção da bolsa.

Além de não perder os direitos sobre as ações, como os dividendos pagos pelas companhias, o doador do ativo recebe uma remuneração que é definida entre as partes. Enquanto a ação estiver alugada, ele estará impedido de negociá-la.

No primeiro semestre, o volume de aluguel de ações somou R$ 204,5 bilhões, mais que o dobro do que os R$ 98,3 bilhões registrados no mesmo período do ano passado. Em número de operações, o crescimento foi de 35,7%, passando de 337.457 nos primeiros seis meses de 2009 para 457.984 no último semestre.

A participação da pessoa física é mais relevante como doador das ações, ou seja, aquele que empresta o ativo. Em junho, o investidor pessoa física foi responsável por uma fatia de 26,58% do total de operações, atrás dos fundos mútuos, com 35,6%, e do investidor estrangeiro, com 29,29%. Na ponta do tomador, a parcela da pessoa física ainda é pequena, com 4,95% das operações de junho. Fundos participaram com 48,74% e o estrangeiro, com 40,09%.

"O aluguel é interessante para quem pretende 'dormir em cima' dos papéis", afirma o professor e educador financeiro da Calil & Calil Mauro Calil. Em geral, explica ele, papéis de maior liquidez pagam as taxas mais baixas. Como tem muita ação no mercado e boa parte está nas carteiras dos fundos de pensão - investidores que não têm a política de girar o portfólio -, a oferta para alugar é grande, o que acaba derrubando a taxa.

Já os papéis de maior volatilidade tendem a oferecer taxas melhores. Tem muito investidor que reserva uma parcela pequena da carteira para carregar ações de maior risco, afirma Calil. Ele cita o exemplo da Brasil Ecodiesel, cujo aluguel das ações tem saído na faixa de 7,7% ao ano.

Essa é uma empresa que tem uma parcela importante de acionistas que está de olho no futuro, no sucesso do combustível ecológico, e, portanto, vai ficar com os papéis em carteira por muito tempo, explica o professor. "Para esses, o aluguel vale a pena, uma vez que só com a taxa ele garante um rendimento equivalente ao da poupança." Fora isso, há a possibilidade de ganhos com a variação do papel na bolsa.

As taxas de empréstimo, no fim das contas, costumam oscilar ao sabor da oferta e demanda. Às vezes, até ações consideradas defensivas, de baixa volatilidade e boas pagadoras de dividendos, se tornam atraentes por conta do aumento da demanda pelo aluguel desse papel por parte dos fundos de arbitragem. Esse é o caso da empresa de energia CPFL, com taxa de aluguel de 4% ao ano.

A ordinária (ON, com voto) da Vivo é outro exemplo, com uma remuneração de cerca de 17% ao ano. "A Vivo é uma empresa sólida, que não vai desaparecer de uma hora para outra, mas que está no meio de uma disputa entre sócios", diz Calil. O professor ressalta que não há estratégia única e imutável, por isso é importante acompanhar os contratos na Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), que funciona como contraparte, garantindo as operações, além de registrá-las.

"O crescimento do aluguel segue a expansão do mercado de ações brasileiro", afirma o sócio responsável pela corretora global de ações do BTG Pactual, José Miguel Vilela. Com o crescimento do número de companhias listadas desde 2002, aumentaram também as opções de ações para alugar. Na visão dele, esse é um instrumento que faz sentido para ambos os lados, para o doador que vai carregar o ativo e para o tomador que quer montar estratégias de arbitragem.

"É claro o benefício para o doador, uma vez que ele maximiza seu ganho", diz. E a pessoa física tem uma participação importante como doadora, justamente pela característica de olhar para a bolsa como um investimento de mais longo prazo, acrescenta o executivo. Do lado de quem toma a ação emprestada, explica Vilela, os fundos são mais relevantes, por conta de estratégias mais elaboradas. "Eles tendem a operar imperfeições de mercado, ganhar com as distorções de preços entre ações", diz.

O aumento da oferta de papéis e a evolução do mercado de ações levaram a uma redução do custo do aluguel, acrescenta o diretor de administração de risco da BM&FBovespa, Luis Antônio Vicente. As taxas menores, por sua vez, aumentam o número de investidores montando operações de arbitragem, criando um círculo virtuoso. "Quem tem a ação percebeu que, sem risco algum, pode manter o papel e, ao mesmo tempo, ter uma remuneração extra", afirma.

Um dos diferenciais do mercado local é que a bolsa, por meio da CBLC, garante a operação, enquanto lá fora a relação é bilateral, ou seja, há um risco de crédito envolvido. Isso é importante, segundo o diretor, para quem toma o ativo emprestado, mas principalmente para quem doa, porque sabe que vai receber a taxa e o papel de volta na data combinada.

Para o desenvolvimento do mercado, são dois os principais benefícios do serviço de empréstimo de ações, afirma Vicente. O primeiro é que ele permite uma melhor formação de preço dos ativos. "Com um mecanismo para ficar comprado e vendido em determinado papel, é mais difícil ter distorções de preço", diz. Quando se puxa muito um preço artificialmente, explica Vicente, tem uma outra força que vai fazer o valor do ativo no mercado convergir para o justo.

Uma segunda vantagem é que o aluguel de ações contribui para o tratamento de falhas na liquidação de operações. Segundo o diretor da BM&FBovespa, há casos em que o participante vende um papel, só que na data da liquidação - em três dias úteis -, por algum motivo operacional, ele não consegue entregar o ativo. A saída é tomar a ação emprestada e regularizar a situação. "Cerca de 80% das falhas potenciais são cobertas pelo empréstimo de ações", conta.

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