segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Novo papel acirra a briga pelo investidor


 

Valor Econômico

Carolina Mandl e Altamiro da Silva Junior, de São Paulo
21/12/2009

As recém-criadas letras financeiras, títulos de renda fixa que serão emitidos pelos bancos, vão roubar espaço hoje ocupado por outros títulos de renda fixa privados, principalmente Certificados de Depositado Bancário (CDBs), também emitidos pelos bancos, e debêntures, ofertadas pelas empresas. Banqueiros e gestores de fundos ouvidos pelo Valor afirmam que haverá uma realocação dos ativos nas carteiras, tornando a disputa pelo bolso do investidor mais acirrada.

Hoje, depois dos títulos públicos federais, o CDB é o papel de maior total nas mãos dos investidores do mercado de renda fixa. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o estoque de CDBs somava R$ 831 bilhões no fim de novembro, ante R$ 276 bilhões de debêntures.

Porém, o lançamento das letras financeiras trará novas características às captações bancárias. Ao contrário da maioria dos CDBs, os novos títulos não possuem liquidez diária - permitindo captações de mais longo prazo. Além disso, podem embutir garantias reais ao investidor e serem vendidos em ofertas públicas.

 

 

Para Fabio Mazzeo, presidente do Metrus, fundo de pensão dos funcionários do Metrô de São Paulo, as letras podem se tornar para as fundações um ativo mais atrativo do que um CDB. "As notas podem ser interessantes, principalmente como alternativa de aplicação de mais longo prazo, por causa da garantia extra." O CDB só conta com o Fundo Garantidor de Crédito até o limite de R$ 60 mil.

Outro fator que deve atrair os investidores é a maior facilidade de comparação entre as taxas que os bancos pagam para captar recursos. "Por ser um valor mobiliário, haverá um mercado mais transparente de dívida bancária. Hoje, para descobrir o quanto cada instituição paga, o investidor precisa ficar ligando de banco em banco", avalia Arturo Profili, gestor de crédito privado da Capitânia.

A expectativa dos investidores é de que as letras financeiras venham a ter um mercado secundário, algo ainda bastante incipiente entre as debêntures. Os CDBs não podem ser negociados no mercado secundário. Para os bancos, desenvolver a revenda das letras é interessante, pois permite que eles criem uma referência de preços para captações.

São essas características que devem fazer a letra financeira roubar o espaço que o CDB tem dentro dos ativos de renda fixa. "Mas isso não significa que o CDB vai morrer. Esses dois tipos de captação vão se tornar complementares. Alguns investidores vão continuar preferindo ter a possibilidade de resgate a qualquer momento", afirma Márcio Hamilton Ferreira, diretor de finanças do Banco do Brasil. As instituições financeiras avaliam, por exemplo, que as pessoas físicas vão continuar comprando CDBs.

A concorrência com as debêntures, no entanto, já não deve ser tão pacífica, avaliam analistas. No ano passado, de um total de R$ 40 bilhões captado por todo o mercado, só os bancos angariaram R$ 30 bilhões com a emissão de debêntures por meio de suas empresas de leasing. Esse tipo de operação, porém, deixou de ser interessante desde que passou a ser exigido o recolhimento de compulsório nas operações interbancárias com as leasings.

Por lei, os bancos não podem emitir debêntures. Mas o novo papel possui características quase idênticas a elas. Por isso, empresas chegaram a manifestar à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) seu descontentamento com o lançamento da letra. O receio das companhias é que a emissão dos bancos concorra com as debêntures que elas ofertam. Por outro lado, muitas debêntures são, na verdade, empréstimos bancários, e nesse sentido, o alongamento do prazo de captação dos bancos pode até ajudar. "Não dá para dizer qual fatia dos recursos dos investidores a letra pegará, mas haverá uma maior concorrência entre os emissores", afirma Renato Oliva, presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

As debêntures permitem a captação de recursos sem a intermediação bancária, ao passo que, com os recursos atraídos com as letras, os bancos é que vão poder financiar mais projetos. "Acredito que para o investidor é natural enxergar o banco como um captador de poupança, que repassa dinheiro ao setor produtivo, enquanto a função da empresa é outra", avalia Isacson Casiuch, sócio do banco Modal.

O que pode amenizar a disputa pelo bolso do investidor é a queda dos juros básicos, movimento que levará à transferência dos recursos dos títulos públicos para os privados.

Em alguns casos, as letras vão poder trazer como garantia carteiras securitizadas de recebíveis das empresas, o que as deixa ainda mais parecidas com as debêntures. "Vai ser um título com risco de banco, mas com garantia de empresa", diz Camila Goldberg Cavalcanti, sócia da área de mercado financeiro do escritório Barbosa, Müssnich.

As letras financeiras foram criadas por medida provisória na semana passada, mas sua regulamentação deve ser divulgada pelo Ministério da Fazenda em meados de janeiro, quando o ministro Guido Mantega retorna de férias. A expectativa, no governo, é que esses novos títulos só comecem a aparecer no mercado a partir de março. (Colaborou Claudia Safatle, de Brasília)

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