quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

À caça do varejo

Apesar de esbarrar na falta de conhecimento do pequeno investidor, fundo imobiliário já começa a ganhar os primeiros adeptos.


Valor Econômico

Por Alessandra Bellotto, de São Paulo
03/12/2009

Sapatos tinindo, vestidos de festa, gravatas italianas, perfumaria e maquiagem, bolsas e acessórios. No meio dessa diversidade encontrada num shopping center, os consumidores do Parque D. Pedro, em Campinas, se depararam na semana passada com uma oferta inusitada: cotas de um fundo imobiliário do próprio centro de compras onde estavam. Com o slogan "O shopping que você escolheu agora também pode ser seu" estampado num estande na entrada principal, a corretora Petra buscava atrair o público para investir na carteira. O leilão de venda de cotas da carteira, que tem uma fatia de 15% do shopping, ocorre hoje na BM&FBovespa. Como ofertante, está o grupo Sonae, dono do empreendimento.

Embora esse mercado de fundos imobiliários esteja bastante aquecido neste ano - com mais de R$ 1,6 bilhão em ofertas, quase três vezes mais do que os R$ 600 milhões de 2008 -, a iniciativa esbarrou na falta de conhecimento e de interesse das pessoas que circulavam pelo shopping, o que sinaliza que ainda há barreiras a vencer para tornar essa opção de investimento mais popular.

Na última quinta-feira, a reportagem do Valor visitou o estande. Durante as cerca de quatro horas em que passou no local, a partir do meio-dia, os consultores de investimento da corretora só foram abordados por pessoas que buscavam informações sobre promoção de Natal e localização de lojas. O movimento maior de pessoas, segundo a recepcionista, acontecia no fim do dia. A corretora, contou ela, chegou a fazer alguns cadastros de potenciais investidores, entre eles lojistas interessados em ter uma fatia do próprio shopping.

O tradicional fundo imobiliário - caso do Parque Dom Pedro Shopping Center - está de olho na receita que poder ser gerada com o aluguel dos empreendimentos em que investe. Para o cotista, isso significa a oportunidade de ter um rendimento todo mês, que pode ser isento de imposto de renda se for pessoa física. Outra possibilidade de retorno é com a valorização das cotas no mercado, daí o fundo ser considerado uma aplicação de renda variável. Nesse caso, o ganho de capital só se realiza se o investidor vender as cotas, operação tributada em 20%.

Apesar da sedução de ter um ativo real que rende aluguel, o varejo mostrou que ainda não é o grande público dos fundos imobiliários - que têm mais apelo junto à alta renda -, mas o segmento já surge com os primeiros adeptos. É o caso do taxista de São Paulo, Evandro Eli Gomes, de 29 anos. Depois de fazer em outubro de 2008 seu primeiro investimento em uma sala comercial de 40 metros quadrados no empreendimento ainda em construção, o The Office, na Frei Caneca, Gomes decidiu "arriscar" no fundo imobiliário do Parque D. Pedro e participar do leilão hoje.

"Vou aplicar um pouco mais que o mínimo (fixado em dez cotas, com valor a partir de R$ 1 mil); se eu soubesse que o negócio era muito seguro, colocava mais, porque o retorno é maior do que o da poupança." Um investimento de R$ 100 mil no fundo, compara Gomes, daria R$ 830 por mês, enquanto a poupança, cerca de R$ 600. Por 36 meses, pelo menos, o Sonae vai garantir aos cotistas um rendimento mínimo mensal de R$ 8,30 por cota, proveniente das receitas com o aluguel das lojas.

O receio de Gomes tem a ver com a falta de popularidade do fundo imobiliário. Apesar de ter sido criado há 15 anos, só agora, com o juro baixo, ele passou a chamar a atenção, até por conta da isenção de IR. "No imóvel, o documento de propriedade tem seu nome, ninguém pode tomá-lo; nesse fundo, e se o shopping quebra?", questiona. Essa preferência por imóvel é compartilhada por boa parte dos brasileiros. É uma herança da época da hiperinflação. A alternativa sempre foi sinônimo de solidez, de proteção. Com crise ou sem crise, acredita Gomes, o imóvel está lá, é seu e sempre pode ser alugado.

O fundo imobiliário, apesar do desconhecimento, funciona como um veículo para investir em imóveis com algumas vantagens. Entre elas, a possibilidade de se tornar sócio de grandes empreendimentos com pequenos valores e a de se livrar do ônus da administração dos bens.

Independente da alternativa de investimento, Gomes é um poupador nato. Aos 10 anos, começou a ajudar um casal de japoneses vendendo pastel na feira. "Queria ter meu próprio dinheiro", conta. Aos 14, foi trabalhar no Etapa Vestibulares, onde ficou por 8 anos. Nesse período, aprendeu a fotografar com um vizinho e começou a fazer bicos, inclusive no Etapa. Todo dinheiro que ganhava com a fotografia ele guardava para poder viajar. "Conheço quase todo o Brasil, só falta a Amazônia", diz.

Depois que saiu do Etapa, Gomes decidiu usar o dinheiro da rescisão e da poupança que havia juntado para comprar um carro e virar taxista. Mas, acabou aceitando uma proposta de trabalhar num bingo com uma velha colega. Nos dias de folga, fazia trufas e pão de mel para engordar a renda. A licença de táxi e o carro Gomes cedeu, sob a condição de receber parte da receita, para o irmão desempregado. Depois de um ano, resolveu dividir o táxi com o irmão. Ele trabalhava à noite e o irmão, de dia. Juntou mais dinheiro e comprou um segundo carro. Hoje, sua renda vem do trabalho de no mínimo 12 horas como taxista e de parte da receita do táxi cedido para o irmão. Gomes é dono ainda de metade de um terceiro carro dirigido por outro irmão.

A iniciativa de investir em imóveis surgiu depois de uma conversa com um cliente, conta ele. Até então, Gomes só tinha dinheiro em poupança. Da bolsa de valores, ele prefere ficar fora. "Não conheço o mercado, já pensou se dou um tiro e erro?", argumenta. Sua ideia com a sala comercial, avaliada em R$ 240 mil, é colocá-la para alugar e ter mais uma fonte de renda, já de olho na aposentadoria. A entrega da obra está prevista para o fim de 2011. E até lá, espera estar com o imóvel quitado. "Não quero pagar juros para banco."

O taxista investidor já pensa em adquirir novo imóvel: um apartamento que vai ser construído na frente do Hospital Albert Einstein para alugar para médicos. Com a renda da locação da sala comercial, espera pagar as parcelas do apartamento. Tantos planos assim só são possíveis porque Gomes guarda cerca de 70% de sua renda. Como? Ele é solteiro e mora com os pais.

O próximo passo, para daqui a dois ou três anos, é comprar uma franquia. Como taxista, Gomes diz que, graças a uma clientela fiel e a muito trabalho, já atingiu o topo da profissão. "Meu salário é ótimo, está muito acima do que ganham colegas formados, mas não há mais como crescer." Sobre voltar a estudar e se formar, ele diz que esse tempo já passou, apesar de hoje ter condições financeiras para arcar com uma escola privada. Quando trabalhava no Etapa, chegou a fazer cursinho, mas como não conseguiu entrar na USP desistiu. Toda essa disciplina, contudo, é recompensada por momentos de lazer. "Agora quero viajar pelo mundo."

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