quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Caderneta para maiores

Desistência do governo de tributar poupança dá aos grandes investidores vantagens num ambiente de juro baixo.


Valor Econômico

Por Angelo Pavini e Luciana Monteiro, de São Paulo
14/10/2009

A decisão do governo de desistir definitivamente - depois de muitas idas e vindas - da tributação da poupança permite ao investidor com maior volume de recursos aproveitar as vantagens da caderneta neste ambiente de juro baixo. Antes, havia a expectativa de que os ganhos dos saldos acima de R$ 50 mil seriam tributados, o que inibia investidores com valores maiores fazerem a troca de fundos conservadores - DI e renda fixa - mais caros pela caderneta. Agora, vale a pena fazer as contas.

Olhando apenas a rentabilidade e imaginando que os fundos rendam somente o CDI, hoje com a taxa Selic de 8,75% ao ano, a caderneta seria vantajosa para quem não conseguir uma taxa de administração inferior ou igual a 1% em prazos abaixo de um ano. A partir de 0,75% de taxa de administração, o retorno do fundo empata ou ganha da poupança em todos os prazos.

Mas se os juros subirem nos próximos meses, a situação para os fundos melhora. Com uma Selic de 9,75%, fundos com taxa de administração de 2% passam a empatar com a caderneta a partir de prazos superiores a um ano. Com 1,5% de custo, os fundos ganhariam da poupança em qualquer prazo. Já se os juros subirem mais, atingindo 10,75% ao ano, fundos com taxa de 3% passam a ser competitivos com a poupança nos prazos superiores a um ano. E carteiras com taxa de 2,5% empatam ou ganham das caderneta em qualquer prazo.

Olhando o cenário de juros, a expectativa do mercado é de que as taxas comecem a subir no fim do ano que vem. Isso significaria quase um ano de rentabilidade mais alta para a caderneta. E, mesmo com a alta dos juros, a estimativa é de que o Banco Central (BC) pare a Selic em 11% ao ano no primeiro semestre de 2011. Haveria, portanto, um espaço ao menos para diversificação, com parte dos recursos novos indo para caderneta no curto prazo.

Para o investidor que já está em fundos, é preciso avaliar se a troca pela caderneta vale a pena considerando o prazo que o dinheiro já está aplicado. Sacar antes de dois anos significará pagar mais imposto. E, mesmo para quem já está há dois anos, se mais adiante a decisão for voltar para o fundo, será preciso recomeçar a contagem do tempo.

Também é preciso levar em conta as comodidades oferecidas pelos fundos, como o resgate diário sem perda da rentabilidade passada. Na caderneta, os resgates sem perda de rendimento são permitidos apenas uma vez por mês. Em compensação, os fundos pagam imposto antecipadamente, a cada seis meses, por meio do chamado "come-cotas". No geral, porém, a caderneta se torna competitiva em relação aos fundos e também em relação a outras aplicações, como CDBs e títulos do Tesouro Direto.

Nesse nível de Selic e diante do histórico das taxas de administração dos fundos de investimento no Brasil, a caderneta de poupança continua a melhor opção para o pequeno investidor, diz Rodrigo Menon, sócio do escritório de aconselhamento financeiro Beta Advisors. "Mesmo no caso do Tesouro Direto fica difícil competir, pois é preciso conseguir uma taxa de custódia e de corretagem baixas para compensar", avalia.

Independentemente do nível dos juros, o investidor tem de zelar sempre pelos custos das aplicações e o Tesouro Direto é uma das melhores opções, avalia Marcia Dessen, sócia do Grupo Educacional Bankrisk. A grande maioria das corretoras cobra até 0,4% ao ano de taxa de custódia, mas há instituições nas quais o investidor não tem custos. Se um aplicador comprar uma LFT (Letra Financeiro do Tesouro, papel pós-fixado) que paga 100% do CDI usando como intermediária uma corretora que cobra 0,4% ao ano, terá no final o equivalente a 95% do CDI.

Diante desse cenário, os CDB perdem atratividade, avalia Marcia, pois a necessidade de captação dos bancos caiu e já é difícil conseguir taxas acima de 90% do CDI. "É mais interessante, portanto, obter 100% do CDI num título do Tesouro Direto", diz.

Já para os investidores com maiores valores para aplicar - algo entre R$ 300 mil e R$ 500 mil -, há outros instrumentos para otimizar a carteira, diz Menon. Ele cita os fundos imobiliários, de capital protegido ou mesmo os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). "Com o CDI menor, cai também o custo de oportunidade do investidor", diz ele. "Hoje é mais fácil arriscar deixar de ganhar 8,75% ao ano diversificando do que quando os juros estavam altos."

Para valores até R$ 30 mil, a caderneta de poupança é imbatível, diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos do Grupo Santander Brasil. "Mas isso vale para quem pode deixar o dinheiro aplicado e só resgatar no vencimento, senão o fundo pode compensar mais", observa. Segundo ele, com R$ 30 mil já é possível um investidor conseguir um fundo DI com taxa de administração de 1% ao ano no Santander, uma taxa bastante competitiva. Ele lembra ainda que a alta dos juros no ano que vem pode mudar essa relação. "Esperamos que o juro suba já no primeiro semestre e atinja 11,75% no fim de 2010". Nesse caso, o ganho dos fundos seria muito maior, especialmente os DI.

Para William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV-SP, a migração de fundos para caderneta não deve ser grande, apesar da vantagem. "O investidor dá prioridade para a preservação de valor antes do ganho e, se a caderneta vai ganhar mais por algum tempo, ele pode não se preocupar tanto em migrar pois sabe que isso vai mudar mais adiante", diz Eid. O fato de muitos fundos reduzirem o valor mínimo de aplicação para fundos com taxas mais baixas também ajudam a evitar essa migração.

O fim da discussão da tributação pode levar alguns grandes investidores a aplicar em poupança, admite Marcelo Giufrida, presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Mas a migração não deve ser muito grande, considerando que a previsão é de que os juros voltarem a subir no ano que vem, beneficiando os fundos.

Giufrida observa também que a maioria dos fundos tem conseguido rentabilidade acima do CDI. "As simulações de ganho dos fundos não consideram isso", lembra. O motivo é que cada vez mais os fundos aplicam em papéis privados e reduzem a parcela em títulos indexados ao juro diário. Giufrida acha que a discussão sobre a poupança deve voltar quando os juros tornarem a cair no futuro, para evitar distorções no mercado financeiro.

No Congresso, líderes do PT já estudam outras fórmulas para a caderneta de poupança, incluindo atrelar os juros à Selic para valores acima de R$ 120 mil.

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