quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pânico em alta

Autor(es): Angelo Pavini
Valor Econômico - 03/06/2009


Junte uma montanha de dinheiro parada, rendendo quase zero por cento ao ano, com uma ligeira melhora das expectativas mundiais. Acrescente países com boas perspectivas econômicas e onde as ações caíram muito e começam a se recuperar. Coloque gestores que perderam dinheiro com a crise. O resultado é um movimento desesperado de diversificação e busca por rentabilidade, além de uma enxurrada de investimentos estrangeiros, ávidos por ações de países emergentes e commodities. Só neste ano, o saldo de estrangeiros na Bovespa supera R$ 11 bilhões até 29 de maio, o maior da história.

Esse movimento, classificado por um gestor de um banco estrangeiro como um verdadeiro "pânico de alta", inflou os preços e fez índice MSCI Brasil, das principais ações brasileiras, subir 68% em dólar de março para cá, enquanto a média dos emergentes ganhava 41%. Só em abril e maio, o Ibovespa subiu 30% em reais - ganho que, para o estrangeiro, é ampliado pela queda do dólar.

A onda de diversificação atingiu também as commodities, como mostra o índice CRB Reuters, que subiu 13,79% em maio e 3% apenas na segunda-feira. O interesse não se limita à valorização dos ativos em si, mas reflete a procura por proteção contra perdas cambiais nas moedas dos países desenvolvidos.

"Havia muito gestor com dinheiro parado", diz um gestor que pediu para não ser citado. Na Suíça, diz, era comum empresas de gestão terem 50% dos recursos em caixa. "Quando o mercado começou a subir, esse pessoal entrou em pânico porque já tinha perdido dinheiro na queda e, se perdesse a recuperação agora, estaria fora do jogo, por isso começou a entrar desesperado nos emergentes", diz.

Há praticamente só estrangeiros comprando ações no Brasil. Os locais estão vendendo. A questão é o risco que esse movimento representa para o investidor que pensa em entrar agora no mercado. O dinheiro lá de fora não tem para onde correr, com taxas de remuneração baixíssimas e riscos elevados tanto nas bolsas quanto nos papéis de crédito de empresas de lá, ainda envoltas em dificuldades financeiras diz William Eid Junior, diretor do Centro de Estudos de Finanças da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Enquanto isso, o Brasil continua com um dos maiores juros do mundo e, mesmo com a queda esperada da taxa básica Selic de 10,25% para 9,25%, ainda é um retorno que garante que o real deve continuar se valorizando em relação ao dólar. "E, para o estrangeiro, essa é uma garantia de que quando ele for sair do país comprará os dólares por um preço mais baixo do que quando entrou, ganhando o diferencial." As empresas brasileiras também passaram razoavelmente bem pela crise, mesmo aquelas que perderam com derivativos renegociaram suas dívidas e começam a dar sinais de recuperação.

Muitas empresas brasileiras também são voltadas ao mercado de commodities e serão beneficiadas por uma melhora da China, avalia Eid. E não há problemas no sistema financeiro como nos países desenvolvidos. "Por isso o dinheiro continua vindo", diz. O risco é que assim como o dinheiro veio, pode voltar, ainda mais depois de ganhos tão rápidos. "Quem ganhou 15% em um mês vende e vai tomar champanhe." Além disso, a quebra da GM nos EUA mostra que a situação dos países desenvolvidos não é tão boa quanto os mercados projetam nas bolsas.

A maioria das corretoras trabalhava com um Ibovespa na casa dos 55 mil pontos, mas apenas no fim do ano. Esse número era possível levando-se em conta a queda dos juros e do dólar no Brasil, além do fim do risco de uma depressão nos Estados Unidos, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Gradual Investimentos. "Basta lembrar que o juro real, descontada a inflação, chegou a 11% ao ano quando o Ibovespa caiu para 28 mil pontos, e agora estamos de volta para 6,5% reais", diz. Só essa queda já permitiria um ganho de 40% a 50% sobre o mínimo do ano.

Mas o que comandou a alta foi mesmo o fluxo externo, com sinais de crescimento, especialmente da China, criando a expectativa de valorização das commodities. "E o mercado brasileiro, ligado a matérias-primas, ficou extremamente atrativo, ainda mais com sua liquidez e presença global", diz. Silveira observa que outros emergentes também subiram, caso dos países asiáticos, que ganham 50% no ano. "São todos beneficiados pela visão positiva de que vão sobreviver melhor à crise, com mercado interno e grandes reservas internacionais", diz.

Para Silveira, não se pode classificar a alta atual como uma bolha uma vez que ela tem fundamentos econômicos. Mas o mercado está colocando nos preços das ações a hipótese de que a economia mundial deverá retomar o crescimento já no primeiro trimestre do ano que vem. "Os riscos até lá, porém, são razoavelmente elevados", observa ele, lembrando que o otimismo está ainda baseado em indicadores de confiança de empresários da China, EUA e Europa.

Se o crescimento não se confirmar, o mercado pode voltar ou ficar parado por um bom tempo. "Há muita coisa a ser feita ainda no sistema bancário americano, por exemplo", diz. A questão é que os investidores estão comprando agora com receio de não perder o bonde, como da vez em que o mercado bateu os 70 mil pontos. "Nesse nível e preço, o investidor têm de ficar esperto, não é bolha ou loucura mundial, mas é preciso que os dados da economia se confirmem", diz Silveira.

Os fluxos estrangeiros para a bolsa foram ajudados pelo fim da onda de números ruins da economia mundial, lembra Alexandre Vianna, superintendente de renda variável da Sul América Investimentos. "Nos últimos dois meses, gestores internacionais que estavam com pouca presença no Brasil correram comprar e isso puxou as ações de primeira linha", lembra. Segundo Vianna, a situação econômica brasileira era privilegiada em relação a outros mercados e os preços das ações estavam mais baixos, o que ajudou a aumentar o interesse.

Hoje, no entanto, o mercado já não está mais tão barato, como mostra a relação entre o preço das ações e o lucro projetado para as empresas - P/L, quanto menor, mais barato o mercado. Essa relação, que historicamente fica perto de 12 vezes, e no melhor momento do mercado, em maio do ano passado, chegou a 16,8 vezes está agora em 14 vezes. "Temos visto a atividade melhorando, mas ainda não é uma maravilha", diz. Segundo Vianna, é preciso que haja um desempenho muito forte das empresas para justificar os atuais níveis de preços de ações.

Outra razão para não estar otimista com o mercado é que muitas empresas começam a voltar a emitir ações. "Isso mostra que elas precisam de caixa e também que os preços já não são tão baixos", afirma. Ainda assim, o fluxo de estrangeiros continua. "É impressionante, porque os fundos de pensão e outros locais vendem e só os estrangeiros compram", diz. Somando todos esses fatores, Vianna acha que o mercado pode ter uma realização no curto prazo. "Entrar no mercado agora não é uma boa indicação", diz.

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