quarta-feira, 2 de julho de 2008

Agrenco desencadeia "efeito BDR" na bolsa

Valor Econômico
Por Ana Paula Ragazzi e Graziella Valenti, de São Paulo
02/07/2008


O tombo de 17% dos papéis da Dufry South America na bolsa ontem acendeu a luz amarela para um movimento que já começa a ser chamado de "efeito BDR". Após os problemas com os administradores da Agrenco, os investidores despertaram para os limites de governança dos recibos de ações, os chamados BDRs, usados por companhias brasileiras que quiseram captar na Bovespa, mas preferiram ter sede em paraísos fiscais.


Desde o escândalo da Agrenco, os papéis da Dufry acumulam perda de 22,7% e os da Laep (antiga Parmalat Brasil) caíram 54%. Ambos foram alvo de rebaixamento de recomendação pelo UBS Pactual, que criticou a governança das companhias. Nos dois relatórios, o banco chama a atenção para o fato de serem empresas que não estão listadas no Novo Mercado.


"Deveria estar muito claro, desde o começo, que os BDRs oferecem risco maior aos investidores", destaca Alexandre Di Miceli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Entretanto, ele destaca que não se deve associar más práticas de governança à opção por lançamento de BDRs, de forma generalizada.



As companhias com sede no exterior não podem ser listadas no Novo Mercado porque as regras para adesão foram criadas para empresas com sede no Brasil. O regulamento da Bovespa já toma como certo o fato de as companhias estarem submetidas aos compromissos de governança da Lei das Sociedades Anônimas, o que não pode ser exigido das estrangeiras. Portanto, se um dia essas companhias forem organizadas de acordo com sua governança, será necessária a criação de uma nova classificação, específica para BDRs.


"A Bovespa reconhece que tem esse desafio pela frente. Há tempos o tema está sendo discutido, mas ainda não há nenhum projeto concreto sobre o tema", afirma João Batista Fraga, diretor de relações com empresas da Bovespa.


A questão é relevante porque o plano de expansão da bolsa passa pela conquista de novos emissores de BDRs, especialmente, companhias latino-americanas. Atualmente, há nove BDRs na Bovespa. Desses, apenas dois têm atividade realmente fora do Brasil. Os demais são negócios nacionais.


Os problemas com a Agrenco evidenciaram os limites dos BDRs. Apesar de os controladores da empresa terem sido presos pela Polícia Federal, suspeitos de crimes que podem ter prejudicado a empresa e sua imagem, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não têm poderes de punir esses executivos. De acordo com a Superintendência de Relações com Empresas do regulador, a autarquia pode apenas penalizar o representante legal da empresa estrangeira, responsável pelos deveres da empresa no mercado local. Nem mesmo se houvesse um contrato privado entre a Bovespa e as companhias estrangeiras, nos moldes do Novo Mercado, o regulador teria seus poderes ampliados nesses casos, explicou a superintendência.


No mercado, os comentários são de que os problemas não são exatamente dos BDRs, mas da qualidade da administração. Esse é o ponto que está por trás das recentes decisões do UBS Pactual sobre Laep e Dufry. Ambas as companhias foram levadas à Bovespa pelo banco, que coordenou as ofertas inicias de ações. Agora, a área de análise da instituição aponta que a Laep não cumpriu os compromissos de uso dos recursos captados e a Dufry manteve um empréstimo de US$ 35 milhões cedido à companhia controladora.


Di Miceli não gosta de vincular os BDRs aos problemas de governança. Porém, alertou que deveria ter sido a pergunta número 1 dos investidores porque companhias que atuam Brasil optam por ter sede fora daqui e emitir BDRs. "É preciso avaliar se não eram listagens de fachada." Para ele, se a companhia quisesse uma flexibilidade maior na estrutura de capital, deveria optar por um mercado desenvolvido e reconhecido, como os Estados Unidos, por exemplo.


Os problemas despertados pelo caso Agrenco levaram a Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec) a decidir avaliar a questão. De acordo com Edison Garcia, superintendente da associação, será formado um grupo técnico para estudar o tema. No entanto, por enquanto, não há uma posição formal sobre as polêmicas que envolvem os BDRs.

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