segunda-feira, 28 de abril de 2008

Eles operam no mercado

Valor Econômico
Por Daniele Camba, de São Paulo
28/04/2008



Estimulado por um amigo austríaco que sempre aplicou em bolsa, o pediatra Antônio Foronda tomou coragem e, um ano depois da grande crise que assolou o mercado brasileiro em 1971, resolveu aplicar pela primeira vez em ações. Comprou alguns papéis da Petrobras e outros do Bradesco. "Comprei bem pouquinho porque não acreditava nessa história de bolsa de valores, entrei mesmo apenas por curiosidade de conhecer como esse mundo funcionava", relembra o médico. Aquela simples vontade de conhecer o novo, que parecia algo passageiro, tornou-se um hábito cada vez mais entranhado na rotina do doutor Foronda que hoje, 36 anos depois, possui 84% do seu patrimônio aplicado em bolsa. Como ele, um número crescente de profissionais liberais - médicos, advogados, engenheiros - diversificam suas aplicações, investindo pela primeira vez em bolsa.


O entusiasmo do doutor Foronda com ações, facilmente percebido assim que ele começa a falar do assunto, levou outros médicos colegas seus do Hospital Sírio Libanês a experimentar a adrenalina de operar no mercado financeiro e não apenas nas salas de cirurgias, algo que já estão bem mais acostumados. "Há alguns anos, eu era um dos únicos médicos do hospital que investia em bolsa, alguns colegas nem sabiam direito o que era uma ação e estranhavam o meu gosto pela coisa", lembra o pediatra. "Hoje, já somos mais de 15 investindo em ações, alguns mais preparados outros menos, mas todos muito interessados em multiplicar seu patrimônio na bolsa", afirma ele.


Foronda, segundo seus próprios colegas de profissão e agora de investimentos, foi o grande responsável pelo ingresso de boa parte deles no mundo da bolsa. "Há uns dois anos, o Foronda me disse várias vezes que, fora da bolsa, eu estava perdendo uma ótima oportunidade de alavancar os meus rendimentos, e, cada vez que eu ignorava o que ele dizia, as ações subiam mais", diz o médico gastroenterologista Caio Coelho Neto. Até que, um dia, ele tomou coragem e resolveu, enfim, ouvir os conselhos do amigo Foronda e comprou ações da Petrobras, da Vale, do Bradesco e do Itaú.


Como um investidor iniciante que ainda é, Coelho possui apenas 5% do seu patrimônio em bolsa. Mesmo com pouca experiência, já aprendeu a ter sangue-frio para aguentar os solavancos do mercado sem acusar o golpe. "Essa crise americana me parece bastante importante, mas nessas quedas me segurei firme e não vendi minhas ações porque já aprendi que não é na baixa que devo sair, do contrário realizo prejuízo", ensina o médico.


Ele, no entanto, está cauteloso com a desaceleração da economia americana e não descarta a possibilidade de a enorme valorização da bolsa brasileira nos últimos cinco anos ser uma bolha prestes a estourar. "Ninguém sobe dos 8 mil pontos, que era quanto o Índice Bovespa valia em 2002, antes de começar o atual processo de alta, até quase os 66 mil pontos, que foi a máxima histórica do indicador, impunemente", diz Coelho. "Em algum momento o vento pode virar e essa crise americana pode ser o motivo para que isso aconteça", afirma o médico.


Lendo na cartilha de Foronda, outros médicos acreditam que este cenário de incertezas pode ser uma excelente oportunidade para comprar mais ações a preços mais convidativos. "Fiquei aborrecido de não ter novos recursos para aumentar minha aplicação, é nesta hora de queda que surgem as barganhas imperdíveis", diz o cirurgião dentista Marcelo Seneda, que começou a aplicar em bolsa há cerca de quatro anos e está no meio do caminho entre Foronda e Coelho, com 45% do seu patrimônio aplicado em bolsa. Mesmo muito animado com o mercado de ações, Seneda tem em mente alguns princípios básicos para ser um bom investidor e não quebrar a cara na primeira esquina. "Sei que é importante diversificar, portanto, nunca terei 100% do meu patrimônio em ações", afirma. "Além disso, tenho consciência do risco que é seguir com a manada, ou seja, quando todos estão vendendo por puro desespero, este pode ser o momento de comprar um pouco mais", diz Seneda.


Além de ter sido o empurrão que faltava, Foronda é considerado uma espécie de consultor de investimentos pelos outros médicos, o que é natural, já que ele é "jurássico" no mundo da bolsa, se comparado com seus amigos praticamente debutantes no pregão. No intervalo entre as consultas ou entre uma operação e outra, Foronda se reúne diariamente com seus colegas na sala dos médicos do Sírio Libânes e é lá que o pediatra faz uma breve análise de como está o mercado no dia, como deve ser o seu desenrolar até o fim do pregão e, o mais importante e o mais esperado por todos, o que devem fazer com suas carteiras de ações.


"A maioria deles já sabe que bolsa é para o longo prazo, mas quando a coisa aperta e o mercado fica nervoso, como tem acontecido muito recentemente, eles se esquecem do que é certo e querem logo sair vendendo as ações a qualquer preço, para não terem de ver suas carteiras minguarem de um dia para o outro", lamenta Foronda. Mas com a maturidade de quem, desde 1972, já passou por várias crises financeiras, planos econômicos, mudanças de governo e também de moeda, Foronda se orgulha de conseguir acalmar seus colegas mais afoitos e impedir que saiam do mercado no pior momento: na hora da queda. "Nesta crise americana, o que mais tenho dito a eles é para sentarem, esperarem a turbulência passar e terem paciência porque depois as ações voltarão a lhes dar alegrias", analisa Foronda.


Outro motivo de orgulho para o pediatra é jamais ter vendido grande parte de suas ações. Pelo contrário, cada vez que o mercado passou por um tropeço, que foram vários desde 1972, ele aproveitou para aumentar sua carteira. Em 1997, alguns meses antes de estourar a crise da Ásia, em outubro, Foronda vendeu as casas que tinha na praia, no campo e mais um sítio e aplicou todo o dinheiro na bolsa. Apesar de parecer uma atitude extrema, o médico tem uma boa explicação para o rompante. "Os três imóveis me davam mais gastos e dor de cabeça do que outra coisa, e agora, esse dinheiro aplicado realmente me traz alegrias." Atualmente, além das mesmas Petrobras e Bradesco de 36 anos atrás, o médico possui ações da Vale, Usiminas, Gerdau, Itaú, Unibanco, Sadia e Perdigão, sendo as duas últimas as suas "paixões" como ele mesmo define. "São duas companhias corajosas, inovadoras, atuam cada vez mais no exterior e sempre têm lucro, são 'redondinhas'."


O entusiasmo dos profissionais de saúde pelo mercado de ações é tamanho que recentemente pensaram em montar um clube de investimentos dos médicos do Sírio Libânes. Mas a tentativa não deu certo porque uma parte deles não quis se comprometer a fazer aplicações mensais no clube. "Médico é muito pão-duro, o bolso é a parte mais sensível do nosso corpo", brinca Foronda, que também se inclui no grupo dos sovinas. Percebendo esse interesse por bolsa, o próprio hospital tem tomado algumas iniciativas. A última delas foi uma palestra com o consultor de investimentos Mauro Halfeld.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page