quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O brilho fugaz do dólar

Valor Econômico
Por Angelo Pavini, de São Paulo
24/01/2008



O dólar voltou a brilhar nesta semana em meio à forte turbulência que tomou conta dos mercados financeiros. Mas, diferentemente do passado, quando a moeda americana era vista como um porto seguro ou até fonte de ganhos nas crises, suas cotações avançaram pouco, para R$ 1,8250, acumulando alta próxima de 2,7% no ano. Praticamente nada, se comparada à oscilação do Ibovespa, que caiu 15,11% no ano até ontem. E os analistas alertam: não se deve esperar muitos ganhos com a moeda.


Os fatores a favor do real e contra a moeda americana são muitos. A começar pela própria saúde debilitada da economia americana. Segundo a Merrill Lynch, a expectativa é de que o dólar perca valor no mercado internacional pela fraqueza da economia e pelo corte dos juros - a corretora espera que as taxas americanas, hoje de 3,5% ao ano, cheguem a 1% ao ano até o primeiro trimestre de 2009. Esse juro baixo torna mais atrativo aplicar em outras moedas onde as economias estão um pouco melhores e os juros mais altos, como a brasileira, que paga mais de 10% ao ano aos investidores. O que representa um ganho de oito pontos percentuais em relação aos juros americanos. "Isso vai atrair muito dinheiro para cá", diz David Cohen, operador de renda fixa e câmbio do Banco CR2. A própria Merrill Lynch recomenda aplicar em reais em relatório enviado aos clientes.


Nem mesmo no pior cenário, o dólar poderia voltar a ser atrativo no médio prazo, afirma Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management. "Torturamos os números da pior maneira possível e nem assim", diz. Um dos fatores que poderiam puxar a moeda seria uma queda nos preços das commodities e que derrubasse as exportações brasileiras. "Mas já temos o minério de ferro subindo pelo menos 30%", diz. Imaginando, porém, que o superávit da balança comercial caia pela metade do que foi no ano passado, para US$ 20 bilhões este ano, com as importações subindo por conta do crescimento do país, isso resultaria em um déficit de transações correntes de US$ 15 bilhões, considerando a balança de capitais. A esse débito, Póvoa acrescentaria mais US$ 30 bilhões em dívidas no exterior vencendo este ano, o que representaria uma necessidade de financiamento de US$ 45 bilhões em 2008. "Mas, do lado das entradas, temos uns US$ 20 bilhões de investimento direto e, se rolarmos uns 70% do débito externo, outros R$ 21 bilhões, o que dá US$ 41 bilhões, faltando apenas US$ 4 bilhões para essa necessidade de financiamento", diz.


Por isso, Póvoa acha que um eventual estresse do dólar ocorreria por um problema financeiro apenas, uma forte saída de investidores da bolsa - a Bovespa registra déficit de estrangeiros de R$ 4,5 bilhões no ano até dia 21 - ou de títulos brasileiros. Mas teria duração curta. "Não vejo o dólar acima de R$ 2,00 e, como gestor, fico tranqüilo para fazer aplicações em reais, apesar de movimentos de alta no curto prazo". Ele considera o dólar a R$ 1,90 um ponto de venda, mas recomenda cautela. "Assim como a bolsa pode cair para 50 mil pontos, é bom manter posições pequenas no curto prazo".


Há também mudanças estruturais que o investidor precisa observar, diz Póvoa. A primeira é que o dólar não é mais aquela reserva de valor de 10 anos atrás, uma vez que a economia americana também perdeu espaço para os asiáticos. "Veja que antes, as commodities despencavam quando os EUA iam mal, e hoje elas resistem".


Para o gestor, o euro pode perder um pouco de valor por conta dos efeitos do desaquecimento dos EUA na economia européia, e que devem levar a uma queda dos juros lá ainda neste semestre. "É preciso ficar atento porque o dólar subiria em relação ao euro".


Essa é uma crise café-com-leite comparada com as de 20 anos atrás, diz o experiente Nathan Blanche, da Tendências Consultoria. "O quadro mudou totalmente depois de 2000, com os emergentes passando de devedores a credores internacionais e muitos até financiando os países desenvolvidos", diz. Com isso, a volatilidade do dólar no Brasil mudou, é muito menor e de curto prazo. Ele espera algum movimento por conta dos bancos europeus, a "bola da vez". Mas, fora isso, a moeda segue bastante tranqüila, podendo fechar o ano a R$ 1,80. "Basta ver que, com toda essa crise, o Banco Central continuou comprando dólares - não sei para quê - esta semana, e as reservas cresceram para US$ 186 bilhões". Segundo Nathan, se somadas as operações de "swap" (troca), os ativos cambiais do governo chegam a US$ 205 bilhões, para uma dívida externa de US$ 65 bilhões.


O mais impressionante é que o fluxo de dólares para o país continuou positivo mesmo com toda a crise externa, afirma Paulo Pereira Miguel, economista da Quest Investimentos. "E o dólar ainda está abaixo da cotação de outubro, é surpreendente", diz. Para Miguel, a chave para o comportamento do dólar não serão os fluxos, mas os termos de troca do Brasil com outros países. "Basta notar que a Turquia, com um déficit externo de 8% do PIB, teve a maior valorização da moeda entre os emergentes". Para ele, a valorização do real reflete a valorização das commodities por conta do crescimento da China e da Ásia como um todo, o que tornou nossos preços de exportação mais competitivos que os de nossas importações. "Uma desvalorização séria do real só viria se esse pilar fosse afetado, ou seja, que a Ásia entrasse em crise e os preços das commodities despencassem; mesmo assim seria um processo lento, como foi a valorização da moeda", diz ele, lembrando que o país hoje tem baixo endividamento externo e altas reservas para amortecer esse ajuste.

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