segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Na dúvida, fique com o real

Valor Econômico

Por Adriana Cotias, de São Paulo
12/01/2009

O balanço de pagamentos brasileiro deve repetir em 2009 mais um ano de déficit em conta corrente. A queda nas exportações, o menor fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IED) e o retorno incerto de recursos para a bolsa ou renda fixa sugeririam que o real pode apanhar do dólar e do euro de novo. Mas não é com tal cenário que os analistas trabalham e comprar divisas como forma de diversificar a poupança pessoal é uma escolha que pode naufragar ou, na melhor das hipóteses, levando-se em conta as previsões daqueles que esperam um câmbio mais depreciado ao longo do ano, proporcionar retornos menores do que a renda fixa.

Entre casas de análise que estão entre as "top 5" do Banco Central (BC) pelo acerto em previsões, seja de curto ou médio prazo, no boletim semanal Focus - Santander/Banco Real Western Asset Management (Legg Mason) Tendências Consultoria e Idéias Consultoria - as projeções para o dólar em dezembro variam de R$ 2,00 a R$ 2,40. Considerando-se a média da pesquisa divulgada na semana passada (todo o mercado), a expectativa é de que a moeda encerre o ano a R$ 2,25.


Pelo fechamento de sexta-feira, a R$ 2,272, tais estimativas significariam, no máximo, um retorno de 5,6% para quem adquirisse a moeda americana ao preço atual. Comparando-se à Selic em vigor, de 13,75% ao ano, na renda fixa o investidor fará melhor negócio mesmo que o pior cenário para a taxa de câmbio brasileira se concretize. Para o euro, a história não é muito diferente, pois espera-se que a divisa européia perca valor em relação ao dólar. Fazendo-se a conversão para o real, a Tendências, por exemplo, estima uma cotação de R$ 2,36 para a moeda européia no fim deste ano.


É mais ou menos consenso que 2009 será um ano difícil do ponto de vista de fluxo de capitais para o Brasil. A fartura de liquidez que se viu no passado, e que fez o dólar chegar à mínima de R$ 1,562 em julho passado, está fora de cogitação, especialmente num ambiente de retração da atividade global, afirma o economista do Banco Real Cristiano Souza.


Para ele, embora o país ainda possa contar com superávit comercial, o líquido entre ingressos por exportações e saídas por importações será sensivelmente menor do que em 2008. Pelas suas contas, considerando o déficit nas transações correntes e o total de amortizações a pagar, o governo terá de usar US$ 15 bilhões das reservas para fechar a conta do setor externo. "O crédito está muito restrito, as linhas de 'trade finance' estão mais caras e isso atrapalha inclusive as exportações." Tal dinâmica, diz, é condizente com um dólar na casa dos R$ 2,40 em dezembro - podendo rondar os R$ 2,50 ou R$ 2,60 ao longo do primeiro trimestre -, calcula Souza.


Estimativa semelhante tem Samuel Kinoshita, da Idéias Consultoria. "Em 2008, mudaram as regras do jogo e, para 2009, todos os vetores apontam na direção de um real desvalorizado." A história para este ano, argumenta, estará mais efetivamente atrelada às transações do país com o exterior. A capacidade de atrair investimentos diretos será menor, enquanto o interesse por ativos brasileiros deve cair pela aversão ainda elevada a riscos na renda variável e pela queda dos juros, no caso da renda fixa.


Kinoshita prevê que o saldo da balança comercial se limite a US$ 10 bilhões, que o investimento direto fique em US$ 20 bilhões e o déficit em conta corrente na casa dos US$ 28 bilhões, ante os US$ 25 bilhões da média do mercado. Apesar de mais pessimista, ele não espera movimentos abruptos no câmbio, como aqueles que levaram a divisa americana de R$ 1,8120 para R$ 2,50 num intervalo de menos de dois meses.


Com salto dessa magnitude, o dólar acabou figurando em 2008 como a melhor opção entre os ativos negociados no mercado brasileiro, com valorização de 31,3%. O Brasil pagou não só o preço de estar com a moeda sobrevalorizada como também de dispor de mercados à vista e futuro líquidos o bastante para ser o porto de operações de "hedge" (proteção) de gestores internacionais, diz o diretor de investimentos de Renda Fixa da Legg Mason, Guilherme Abbud. "Eram casas que mantinham posições em moedas de países emergentes com câmbio fixo ou mercado mais restrito do que o brasileiro." Ele lembra que o "efeito estilingue" no câmbio também resultou da demanda extra por divisas das exportadoras locais que se alavancaram no mercado futuro.


Tal combinação de infortúnios fez com que o Brasil tivesse a pior performance cambial do mundo em 2008, apesar de não ter o balanço de pagamentos mais fraco comparativamente, acrescenta Abbud. Embora concorde que será mais difícil atrair capitais para os emergentes neste ano, ele vê exageros na desvalorização do real, que levou a moeda a valer R$ 2,50, e considera factível que as cotações voltem para a casa dos R$ 2,00 nos próximos meses. "Nos últimos anos houve um crescimento grande na corrente de comércio e a soma de exportações e importações deve ser maior do que no ano passado, a desvalorização cambial menor já faz o serviço de ajuste no balanço." Ele trabalha com um superávit comercial de US$ 20 bilhões, bem acima da média do mercado, de US$ 14,5 bilhões.


A Tendências Consultoria também tem números mais destoantes do consenso e estima um saldo comercial de US$ 22 bilhões, além de esperar um fluxo razoável de investimento direto (US$ 25 bilhões) e de investimentos em portfólios (US$ 15 bilhões). Isso resultaria num déficit em conta corrente da ordem de US$ 15 bilhões, menor do que os US$ 29 bilhões previstos na consolidação das estatísticas de 2008. "O que vai entrar pela conta de capitais é mais do que suficiente para bancar o déficit", diz a economista Alessandra Ribeiro. Pelas suas contas, 2009 deve fechar com sobra de US$ 20 bilhões no balanço. Para ela, a incursão do Brasil no mercado internacional, com uma captação de US$ 1 bilhão por 10 anos há uma semana, dá indícios de que as portas do crédito externo também podem ser reabertas para as empresas locais.


Lucros menores das empresas e taxa de câmbio mais alta também devem resultar em remessas menos expressivas de lucros e dividendos, acrescenta o economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto, contribuindo para uma conta corrente mais comportada. "Os eventos que provocaram a mudança de faixa do dólar, de R$ 1,70 para R$ 2,30/R$ 2,40, já ajustaram a moeda a um fluxo cambial mais negativo, é um movimento que não prossegue em 2009."


Levantamento do Itaú mostra que, no último trimestre de 2008, o real teve desvalorização de 21,52%, a maior entre uma cesta que inclui as moedas da África do Sul, Hungria, Austrália e Nova Zelândia, e que tiveram variações em sua maioria entre 10% e 15%. A moeda da Turquia, em segundo lugar, perdeu 21,35%.

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